Eduardo Ribeiro Mundim

Mas o roteiro peca, em alguns momentos importantes.
A
solução militar não combina com a imagem paradisíaca do lugar. Ok, os
Na'vi são guerreiros, mas não me pareceu que fazem da guerra uma arte.
Antes, do saber viver integrado ao mundo que habitam, aceitando a caça
como modo de adquirir alimento, sem deixar de sentir tristeza pelo fato -
mas justificando-o pelo retorno da "energia" à fonte original. Como ele
faz referência a outros universos (os livros "Eragon" e "O Senhor dos
anéis", a trilogia "Matrix", o filme "Dança com lobos"), poderia tê-los
criado vegetarianos como os elfos. Naquelas mitologias, guerreiros
quando necessário, mas habitualmente pacíficos.
É
particularmente irritante a cópia do comportamento estereotipado dos
indígenas nos filmes de faroeste - o som emitido pelos Na'vi convidando
para a batalha é plágio evidente.
Infelizmente
Jake Sully torna-se um habitante de Pandora de "corpo e alma" por
necessidade, e não por livre escolha. Talvez o maior erro do roteiro,
preso talvez a "Dança com lobos". "Transfere-se" para seu avatar porque
seu corpo não tem mais chances de sobrevivência na atmosfera de dióxido
de carbono, metano e amônia. Poderia, de livre e espontânea vontade,
rompido seus laços com os humanos ao decidir lutar, até a morte, contra
eles. Muito além de uma "conversão" mais politicamente correta, deixaria
clara a opção por um modo de vida, e valores, absolutamente diferentes
daqueles no qual fora criado.
Sendo
tão alicerçado nos faroestes, não há como escapar das lições da
história: os brancos sempre venceram. Venceram porque tinha uma
superioridade tecnológica e eram em número cada vez maiores que os
índios norte-americanos. Venceram porque tinham uma ambição de expansão
(a aventura) e uma justificativa (fazer dinheiro). Os humanos perderam,
no filme, uma batalha; mas perderam a guerra? A solução militar
encontrada fica provisória, com promessa de mais destruição (e provável
derrota), se houver continuação; ou no imaginário do espectador, na
falta desta.
A
história também é presa ao maniqueismo habitual, onde aqueles que detêm
o poder entre os humanos, nada aprendem. Nos últimos anos o conceito de
"desenvolvimento sustentável" tem sido debatido e objeto de
experimentos de viabilidade. James Cameron quis transmitir com o filme a
expectativa que estes esforços atuais falharão? Desejou apenas fornecer
momentos de entretenimento estético sem preocupação com o conteúdo, ou
com alguma mensagem de esperança? Ou é basicamente pessimista?
Pessimismo não é, exatamente, o que impulsionou seu último sucesso,
"Titanic".
Há
pelo menos uma provocação bioética: "vejam, um demônio com corpo mas
sem alma" (segundo minha lembrança da cena), brada Tsu'Tey, futuro líder
do clã Omaticaya. Quando Jake tem sua ligação com o corpo avatar
interrompida, este desaba no solo, "sem alma". É possível criar corpos
"sem vida" (ou seja, "sem alma"?). Como no primeiro filme da trilogia
Matrix, é possível manter corpos funcionando sem vida relacional, onde
os corpos, e não só a vida psicológica, está envolvida? (Em Matrix, os
corpos que serviam como fonte de eletricidade para as máquinas eram
mantidos em repouso, mas eles sonhavam que viviam, e se
inter-relacionavam com os demais corpos apenas nos sonhos, sem
envolvimento biológico real).
Mas talvez a maior provocação seja "o que é religião?" Eram os habitantes de Pandora religiosos? Eles tinham uma deusa (Eywa )?
A
cientista Grace Augustine descobre que todos os seres vivos no planeta
se interconectam, à semelhança dos neurônios humanos. Seres racionais se
interconectam, racionais e irracionais, e mesmo racionais e vegetais.
Esta descoberta é um modelo científico, mostrado pelas análises
realizadas por ela, de diversos modos. Seria Eywa uma deusa, ou
"meramente" um nó de intercomunicação entre todos os seres vivos? Os
Na'vi se comportavam de modo religioso (por exemplo, as atitudes tomadas
para a transferência de corpos, uma grande dança coletiva, regida por
música), mas havia uma explicação racional e mensurável para o efeito.
Seria Pandora, uma lua, um ser vivo e racional (como permite deduzir de
sua participação na batalha final)?
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