Gil Castelo Branco*
O
mais famoso médico da Grécia antiga, Hipócrates, considerado o pai da
Medicina, dizia: “Para os males extremos, só são eficazes os remédios
intensos.” A frase é oportuna quando se observa que a Saúde no Brasil
encontra-se em colapso. Do Sistema Único de Saúde (SUS) aos planos
privados, alguns verdadeiras arapucas.
Apesar
da crise, políticos permanecem enaltecendo o SUS, muito embora só
utilizem o Sírio (Hospital Sírio Libanês), onde são recebidos à porta
pelos professores-doutores de plantão. Enquanto isso, menos da metade
dos cidadãos confia nos hospitais aos quais têm direito como simples
mortais.
Pesquisa
da ONU, divulgada no primeiro trimestre deste ano, com base em dados
coletados entre 2007 e 2009, revelou que entre 126 países o Brasil ficou
em 108° lugar no que diz respeito à satisfação com a qualidade dos
serviços prestados. Apenas 44% dos brasileiros sentem-se satisfeitos com
os padrões aqui oferecidos. Em nenhum país da América Latina, à exceção
do Haiti (35%), foi identificado índice tão baixo quanto o que os
brasileiros revelaram. Nesse campeonato, perdemos, por exemplo, para o
Uruguai (77%), Bolívia (59%), Afeganistão (46%) e Camarões (54%), onde a
população considera os serviços de saúde melhores do que a percepção
que temos sobre os nossos.
Aparentemente,
o dinheiro não é o fator que mais contribui para o caos. Conforme dados
da OMS de 2011, somando-se todas as principais formas de financiamento
(impostos/contribuições sociais, sistemas privados de pré-pagamento e
desembolsos diretos dos pacientes), o Brasil gasta anualmente com saúde
8,9% do Produto Interno Bruto (PIB). O percentual é semelhante ao da
Espanha (9,4%) e não muito inferior às aplicações da França (11,6%). No
entanto, na maioria dos países desenvolvidos a maior parcela do
financiamento provém de fontes públicas que respondem, em média, por 70%
do gasto global. Em nosso país, o setor público ─ que atende 150
milhões de pessoas ─ contribui com apenas 45,7% do total das despesas
integrais com Saúde.
Nesse
cenário, será que nos últimos anos a Saúde tem sido considerada como
prioridade entre as políticas públicas? O programa Mais Médicos irá
salvar a saúde da pátria? Infelizmente, ambas as respostas são
negativas.
Ainda
que os recursos globais do Ministério da Saúde tenham aumentado nos
últimos anos, as despesas realizadas mantiveram praticamente a mesma
relação com o PIB. Em 2002, o total pago representou 1,87%, percentual
que subiu para 1,88% em 2012. Em suma, de FHC a Dilma, com ou sem CPMF,
trocamos seis por meia dúzia.
Quanto
aos investimentos em Saúde (construção de hospitais, UPAs, aquisições
de equipamentos etc.), nos últimos 12 anos foram autorizados nos
orçamentos da União R$ 67 bilhões, mas apenas R$ 27,5 bilhões (41%)
foram pagos. A título de comparação, o Ministério da Defesa investiu no
mesmo período R$ 56,2 bilhões, literalmente o dobro das aplicações da
Pasta da Saúde. Estamos comprando blindados, aviões de caça e
construindo submarinos nucleares para enfrentar imagináveis inimigos
externos enquanto, por aqui, mais de um milhão de brasileiros protestam
por serviços públicos de melhor qualidade.
Em
2013, a situação é semelhante. A dotação prevista para os investimentos
do Ministério da Saúde é de R$ 10 bilhões. Até setembro apenas R$ 2,9
bilhões foram pagos, incluindo os restos a pagar. O valor investido
coloca o Ministério da Saúde em 5° lugar comparativamente aos outros
ministérios.
Na
verdade, há muito por fazer. Para começar, é difícil imaginar um país
saudável em que quase a metade dos domicílios não tem rede de esgotos.
Por opção, vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios de futebol padrão
Fifa, enquanto em dez anos aplicamos somente R$ 4,2 bilhões em
saneamento. O Mais Médicos ─ mesmo sem o Revalida e com certificados
distribuídos a esmo ─ vai gerar o primeiro atendimento em cidades até
então desprovidas, o que é bom. Mas por trás das “boas intenções” está a
reeleição de Dilma, o fortalecimento da candidatura de Padilha ao
governo de São Paulo, além do financiamento da ditadura cubana.
Dessa
forma, o programa passa ao largo de questões cruciais como a
necessidade de mais investimentos públicos, melhor gestão, atualização
das tabelas de ressarcimento do SUS, aumento das vagas nos cursos de
Medicina, nas UTIs e nas residências médicas, entre outros problemas a
serem enfrentados. Tal como dizia Hipócrates, urgem remédios intensos. A
reconstrução da saúde no Brasil exige mais ações e menos hipocrisia.
* É economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.
fonte: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24527:de-hipocrates-a-hipocrisia&catid=46
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